O que é Carisma?
Há no mundo um grande número de
congregações religiosas (franciscanos, salesianos, jesuítas, agostinianos,
dominicanos, etc) que tem em comum o seguimento a Jesus Cristo e o anuncio do
Evangelho. Outra característica comum a todos esses institutos é que todos
tiveram um fundador ou fundadora, alguém que inspirou e inspira até hoje esse
grupo de pessoas em torno de um ideal comum. Porém em meio a tantas semelhanças
há também algo peculiar, próprio, singular que difere uns dos outros e isso se
chama ‘CARISMA’ que é a identidade de cada grupo.
Qual é o nosso Carisma?
Para nós, que pertencemos à Família
Agostiniana, a fonte de inspiração é Santo Agostinho, que apesar de ter nascido
há mais de 1600 anos, até hoje seu legado literário e espiritual desperta interesse
em milhares de pessoas ao redor de todo o mundo.
Aqui falaremos da nossa identidade, do nosso CARISMA, daquilo que nos distingue e ao mesmo tempo nos une. Essa identidade está alicerçada sobre três eixos norteadores, três pilares: Interioridade, vida em comunidade e serviço à Igreja, por se tratar de uma abordagem ecumênica esse último vamos chamar de serviço à sociedade.
1. Interioridade
Valores equivalentes: silêncio,
meditação, ouvir o coração e ouvir-se, voltar para dentro de si mesmo, busca da
verdade.
Agostinho é conhecido como alguém que
buscou constantemente e profundamente a verdade, essa busca durou toda a sua
vida e foi feita por muitos lugares e de muitas formas. Até que, em um
determinado momento, ele conclui que essa verdade que tanto buscava não estava
longe, mas perto, porque estava dentro dele mesmo.
A experiência humana e espiritual de
Santo Agostinho pode ser sintetizada da seguinte forma: busca intensa da
Verdade, de Deus; e, tendo-O encontrado, a ele dedicar-se inteiramente em comunhão
com os irmãos. A busca de Deus é Leit-motiv, o motivo-guia, o fio condutor da
espiritualidade de Agostinho. E busca de Deus, para Agostinho, identifica-se
com busca da Verdade. Mas não diz respeito somente a quem busca verdades sobre
as coisas, ou a quem ainda não tem fé, nem a quem ainda não encontrou em Cristo
a verdade de sua existência. Também não se trata unicamente de atividade do
pensamento. Trata-se de uma atitude de fé em constante busca de Deus; é uma
realidade existencial; envolve mente e coração; o ser em sua totalidade em
empenho constante de busca.
A realidade de Deus é, de fato, tão
insondável que jamais poderá ser conhecida em completude nesta vida. Mais se
busca Deus, mais se encontra Deus; mais se encontra Deus, mais se ama Deus;
mais se ama Deus, mais cresce o desejo de buscá-lo. Encontrar Deus é encontrar
a felicidade. Por esta, de fato, se vive e se labuta, porque é encontrar o
senso pleno da própria existência. Diz Agostinho: ''fizeste-nos, Senhor, para
ti, e nosso coração está inquieto enquanto não repousar em ti'' (Confissões
1,1).
A inquietude é movimento de busca,
desejo de quietude. Mas como buscar e onde encontrar Deus? Pela via da
interioridade, diz Agostinho, mediante a contemplação, diríamos hoje.
A interioridade é, então, um movimento
para dentro de si mesmo, não para exercitar o movimento dos próprios
pensamentos, mas para ouvir-se, ver-se e, ao se encontrar a própria
mutabilidade, sair de si mesmo para ascender à luz de sua razão, aquele que a
ilumina e lhe fala na consciência. Parece que Agostinho se dirigia exatamente
ao homem de hoje, a nós, alienados de nós mesmos, de nossa dignidade, em
desordenada busca de nossa identidade, transtornados por tantas coisas que nos
circundam e atraem nossa atenção, iludidos em vãs tentativas de preencher o
vazio interior, vazio de Deus.
Aqui é importante perceber uma
característica da vida moderna que contrasta com esse valor agostiniano da
Interioridade, hoje somos incapazes, muitas vezes, de ficar em silêncio. Se
estamos em casa ligamos o rádio, a TV, o computador, se vamos fazer uma viagem
levamos um milhão de músicas de todos os estilos em nosso pen drive, mp3, mp4,
ipod ou similar. A poluição sonora nos centros urbanos é tamanha que precisamos
de leis e regras para proibir e coibir os excessos que causamos.
O exercício da interioridade
agostiniana é, então, em seu processo de busca, libertação da escravidão das
coisas(do materialismo e do hedonismo), para encontrar a Verdade e viver em
conformidade com a mesma. É oração e contemplação; um modo novo de colocar-se
diante do Absoluto, de si mesmo e das coisas; via de esperança que Agostinho
aponta para o homem de hoje: ''é melhor ter menos necessidades que possuir mais
coisas'' (Regra 3,18).
"Não saias fora de ti, volta-te a
ti mesmo; a verdade habita no homem interior, e, ao dar-te conta de que tua
natureza é mutável, transcende a ti mesmo... Busca, então, chegar lá onde a
própria lâmpada da razão recebe luz'' (A verdadeira religião 72).
2. Vida em comunidade (comunhão de
vida)
Valores equivalentes: amizade,
fraternidade, solidariedade, interesse e respeito pelo outro.
''Em primeiro lugar – já que com este
fim vos haveis congregado em comunidade – vivei unânimes em casa e tende uma só
alma e um só coração orientados para Deus''
Àqueles que querem participar de sua
experiência de busca de Deus, Agostinho propõe o exemplo da primitiva
comunidade cristã de Jerusalém, descrito nos Atos dos Apóstolos (2;4): formavam
um só coração e uma só alma, tudo era comum entre eles e a cada um dava-se conforme
suas necessidades.
No início da Regra de Vida que escreveu
para seus monges, Agostinho põe a razão da reunião em comunidades nestes
termos: ''Em primeiro lugar – já que com este fim vos haveis congregado em
comunidade – vivei unânimes em casa e tende uma só alma e um só coração
orientados para Deus'' (Regra 3).
Dito de outro modo, aqueles que se
propõem a viver em uma comunidade são movidos pelo desejo de orientar-se para
Deus, o que faz com que todos vivam em unidade de alma e coração. Vive-se,
portanto, em comunidade não para constituir uma espécie de Sociedade Anônima;
não para viver como uma alegre associação de amigos; não para que se possa unir
as forças dos indivíduos e ser mais eficientes; não para fugir das
responsabilidades da vida; mas, sim, para endereçar-nos a Deus, a
Verdade-Felicidade buscada e encontrada.
Com efeito, não basta uma unanimidade
qualquer para fazer uma comunidade religiosa agostiniana (pode-se ser unânimes
em vários aspectos nada religiosos da vida). É preciso que esta esteja centrada
em Deus e todos, juntos, a ele se dirijam em unidade. Unidade de desejos, de
ideais e de projetos, respeito pelas exigências e pela dignidade da pessoa,
perfeita vida comum: são as três notas que caracterizam a comunidade
agostiniana, que, na mente de Agostinho.
Ao nos unirmos em comunidade, queremos
deixar nosso egoísmo e ir ao encontro do outro. Fazendo-nos, por amor, irmãos
uns dos outros, (cf. Regra 9). A comunhão agostiniana de vida encontra, por
isso, sua manifestação na comunhão de bens. Por isso nada é próprio, nada é do
indivíduo; nada é propriedade privada; tudo é comum, tudo é da comunidade (cf.
Regra 4), ou seja, antepõe-se o bem comum ao próprio (cf. Sermão 78,6), e este
bem é Deus mesmo, nossa maior riqueza (cf. Sermão 355,2), desejado, buscado e
partilhado por todos, em unanimidade.
Ao homem de hoje, imerso, não poucas
vezes, em profunda e dilacerante, dramática e desesperadora solidão, incapaz de
comunicar, de compreender e de compreender-se, Agostinho propõe um projeto de
vida em comunhão na qual o ser humano sinta-se solidário com o outro, sinta a
solidariedade do outro, sinta-se participante de uma mesma dignidade, apesar
das diferenças pessoais; comunhão em que as pessoas se aceitam reciprocamente e
se querem bem assim como são, sem prejuízos ou preconceitos.
Pois, é nessa proposta agostiniana,
onde encontramos as maiores contradições com a vida moderna. A vida em
comunidade contrapõe ao individualismo, à intolerância, ao preconceito nas suas
mais variadas e repugnantes faces. A vida em comunidade tem a sua tradução no
mundo de hoje quando nos preocupamos de forma incondicional e irrestrita com o
bem estar do outro e do planeta, pois sem o outro e sem o planeta ninguém pode
‘sobre-viver’, não podemos viver sobre e as custas do outro mais sim por e com
o outro, que é meu semelhante, digno do mesmo respeito e direitos.
E esse ambiente, de respeito mutuo, só
é possível para Agostinho com a vivência de um outro grande valor agostiniano:
a amizade. É ela que fortalece os laços e mantém vivo o interesse pelo bem
comum: “quanto maior a amizade maior a liberdade”.
3. Serviço à Sociedade
Valores equivalentes: defesa da vida e
dos direitos, responsabilidade social, colocar meus dons a serviço.
Começamos esta reflexão citando várias
congregações religiosas e o ‘carisma’ que identifica cada uma delas, pois bem,
os Agostinianos, não têm uma atividade específica e única. Não é uma atividade
que nos caracteriza, é um estilo de vida. Toda e qualquer ação é consonante com
os Agostinianos, desde que realizada ‘agostinianamente’, isto é, desde que
respeite os valores fundamentais da vida agostiniana, que já viste
precedentemente (interioridade, comunidade, segundo o estilo de Agostinho).
Mas, de que adiantariam pessoas com uma
‘vida interior’ exemplar ou vivendo em ‘comunidades perfeitas’ se estas
estivessem isoladas do mundo? A família agostiniana não vive e não está
desconectada da realidade. Pelo contrário os agostinianos e agostinianas estão
à frente de milhares de atividades espalhadas pelos cinco continentes atuando
em paróquias, missões, colégios, obras sociais, universidades, movimentos
sociais, políticos e ambientais.
Em todas essas frentes há sempre um
imperativo que norteia o fazer agostiniano que é a defesa da vida, a promoção
dos direitos humanos e a luta incansável pela diminuição das desigualdades
sociais. Você educador e educando agostiniano também é um dos atores desse
processo.
